"Houve um momento já perdido na memória do tempo em que a terra
se separou do Céu. Embora já houvesse rios, mares e lagos, montanhas, vulcões,
pássaros, peixes e árvores de fruto, não existia ainda um único ser humano à
superfície da Terra.
Foi então que uma Deusa deixou a sua morada celeste e quis
saber como se vivia nesse planeta azul que, à distância, parecia tão calmo e
tão apetecível para viver.
A Deusa gostou do que viu e ouviu, do que provou e
cheirou, mas, ao fim de alguns dias, sentiu-se profundamente só, pois não
encontrava ninguém que, assemelhando-se a ela, pudesse ser parceiro numa
conversa ou num jogo. Foi então que se sentou na margem de um rio e, querendo
ocupar o tempo, começou a moldar uma figura com a terra barrenta que abundava
junto dos seus pés. Como não tinha um modelo para copiar, foi-se guiando pela
sua própria imagem reflectida na superfície da margem das águas.
Quando a pequena escultura ficou concluída, deu conta de
que lhe faltava vida. O boneco que acabara de moldar não falava, não ria, não
respirava, não tinha vida em suma. Foi então que lhe passou a mão pelo rosto,
ao mesmo tempo que lhe cobria o corpo de barro com o seu sopro divino. Nesse
mesmo instante, a pequena escultura começou a ensaiar minúsculos passos em seu
redor, tentando, ao mesmo tempo, pronunciar algumas palavras quase
indecifráveis. Esse foi, tanto para a Deusa como para a figurinha acabada de
esculpir, um verdadeiro momento de magia, daqueles que nem a mais fértil
imaginação consegue antecipar." (...)
José Jorge Letria, Lendas da Terra, Terramar
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