Foi na noite de 24 de julho que o pequeno Matias começou a sua viagem para este mundo. Passei o dia cansada, sem energia, só me apetecia dormir. Há já umas duas semanas que me sentia muito cansada, mas aquele dia foi diferente. Depois de jantar fui deitar-me porque já não aguentava estar em pé. Tinha muitas contrações, que embora não fossem dolorosas já me indicavam que estava em trabalho de parto. Ainda me levantei para contar uma história aos dois rapazes antes de adormecerem como é nosso hábito, mas quando já todos dormiam, incluindo o pai, as contrações começaram a apertar e por volta da meia noite e meia saímos de casa para o hospital.
Chegámos ao hospital de cascais por volta da uma da manhã. Triagem!
Enfermeira a fazer perguntas! Eu, contrações dolorosas e seguidas! Queria "observar-me" porque podia não estar em trabalho de parto. Recusei, dizendo que sabia que estava, que era o meu quarto filho. Não há internamento sem ser "observada", respondeu! O olhar do Zé para mim, cúmplice! Respondeu-lhe que nesse caso íamos sair dali e esperar que o Matias nascesse! Enfermeira pergunta se eu aceitava fazer CTG! Aceitei! Entrei! O pai teve que ficar cá fora porque só poderia entrar depois de eu ser internada! Nunca fui internada! O pai nunca entrou!
CTG! Pedi para ficar de pé! Olhares aborrecidos e suspiros! Contrações seguidas, sem intervalos. Saí do CTG! Enfermeira e médico a fazer perguntas! Enfermeira a impingir epidural! Recusei! Eu em pé a respirar de olhos fechados! Enfermeira a chamar-me irresponsável por não aceitar o "toque"! Médico sentado a contar semanas num calendário! Palavras nos meus ouvidos para me sentar! Eu só queria estar em pé! Era impossível sentar-me com tantas dores! Respirava de olhos fechados! Enfermeira encostada à parede a brincar com o telemóvel! Médico a fazer perguntas! Sentei-me! Quantas semanas? Fez todas as análises? Quem era o seu médico? Data da última mesnstruação? Porque não fez a primeira ecografia? Porque não fez amniocentese? Levantei-me! Bolsa rebentou aos pés do médico que nem se mexeu, só olhou com ar enojado! Enfermeira fugiu da sala e resmungou! Senti a cabeça do Matias sair! Gritei-lhes que ele ía nascer! Riram-se de mim! Médico a dizer para me deitar para me "observar"! Recusei! Disse-lhe que queria parir de cócoras! Gritos! Que não podia ser! Médico agarrou-me no braço a dizer que era ele quem mandava ali e que tinha que me deitar de barriga para cima e pernas abertas! Recusei! Médico abandonou a sala e nunca mais o vi até hoje! Gritei que o Matias estava com a cabeça de fora! Risos! Alguém me despiu as calças e as cuecas e gritou que se via a cabeça do bebé! Gritos! Corridas pelos corredores! Gritos! Eu, perdida, no meio dos gritos! Subi para a cama! De lado! Continuavam todos a gritar, menos eu! Eu respirava e sentia o ardor da pele e do músculo que rasgaram! Respirava! Pedi ajuda! Gritaram para me deitar e eu gritei que não! Gritaram que enquanto não me deitasse não me faziam o parto! E não fizeram! Coloquei-me de joelhos em cima da cama e o Matias saiu! Parteira a gritar que não o conseguia agarrar naquela posição! Eu gritei-lhe que conseguia! Ela rodou-o e ele nasceu! Apanhei-o de cima da cama! Abracei-o! Eram 2h29m do dia 25 de julho. Só depois o pai entrou!
Chorei durante dois dias depois do parto sempre que me lembrava de como tinha sido, de como me senti perdida e sem apoio de ninguém. Depois, com o passar dos dias percebi como foi catártico! Foi o que tinha que ser! Foi exatamente como eu queria que fosse, sem interferências de ninguém. Sem soros, sem ocitocina, sem epidural, sem nada, natural! Foi libertador! Só senti falta de uma mão amiga, de um abraço que me ajudasse a suportar as dores, de uma palavra a dizer que estava tudo bem, do homem que amo e que é pai dos meus filhos a dar-me a mão. Só! Esse "só" é tudo o que nós mulheres precisamos para ter um parto humanizado. Quando tudo está bem, quando não há complicações, não precisamos de mais nada! Eu não tive isso porque quis um caminho diferente daquele que a equipa médica tinha à minha espera. O meu parto foi uma luta que espero que abra caminho para partos mais humanizados. Não o fiz por essa razão. Fi-lo porque sou teimosa e meti na cabeça que era assim que queria parir. Mas agora, dois meses passsados, espero que as nossa luta por um parto mais humanizado abra o caminho para a próxima geração das nossas filhas e noras! Para que elas possam parir em paz! E para que os homens possam fazer parte desse processo como se nunca tivesse sido de outra forma!
Parabéns Matias! Espero que venhas a ser um desses homens!